quinta-feira, junho 10, 2010


Direto d‘África


Jolivaldo Freitas


Estou aqui esperando começar a Copa do Mundo. Tenho andado pela cidade e visto coisas alarmantes. Para principiar ontem assisti a um ladrão de galinha ser espancado até a morte por populares que já estavam na campana fazia dias. Pelo menos uma vez por semana ele pulava o quintal de alguém e bafava uma penosa.

Segundo um conhecido dele, que fez questão de não o reconhecer, para também não ser confundido como cúmplice, o homem era miserável, estava desempregado havia mais de um ano e era o único jeito de dar comida para a prole de seis meninos e duas meninas. Não se sabe o que será dos filhos.

Encontrei um casal de amigos que estava parado numa avenida. Marido e mulher presenciaram o absurdo de dois jovens fazendo o "tradicional" pega. Invadiram o sinal, subiram o passeio e mataram um garoto que andava de bicicleta. O casal até hoje, lá se vão três dias, não consegue comer nada, do nojo que ficou da cena dorme com remédios tarja preta.

Leio nos jornais que no final de semana foram mais de 20 mortos – a maioria absoluta de jovens negros – pela polícia que assegura ter sido em confronto direto com traficantes; mortos por traficantes que cobram dívidas, embora as famílias garantam que os meninos não consumiam drogas e um pai que matou a ex-mulher e o bebê e depois tentou se suicidar o que não deu certo.
 
Ontem, à noite, vi uma cena lamentável, diversas mulheres e crianças brigavam na porta de um mini-mercado, num bairro nobre da cidade, disputando frutas apodrecidas, frios com data de validade já ultrapassada, pão duro e hortaliças murchas. Remexiam o lixo desesperadamente e guardavam a coleta em sacos que eram entregues a crianças para que tomassem conta e não deixassem que os outros famélicos roubassem.

Na porta de uma farmácia um garoto com idade estimada em 12 anos me abordou e pediu para que eu comprasse para ele uma lata de leite em pó para recém-nascido. Quando já ia comprar o balconista me chamou num canto e disse que não comprasse, pois o garoto iria trocar o leite – de fácil revenda – por pedras de crack. Não comprei e o garoto me ameaçou e ao farmacêutico. Não volto mais lá.

Na TV assisti ao jornalismo dizendo que mais de dez estudantes morreram num choque com uma carreta pois o motorista não tinha sequer Carteira de Habilitação e no mesmo instante entra outra notícia de uma chacina numa ilha próxima da cidade, sem falar da mãe que queimou a mão do filho de cinco anos porque ele queria comer bolacha no que ele considerava fora de questão, pois não havia bolacha e ele chateava por querer e querer.

Caiu uma chuva forte e na invasão formada por milhares de casas pongadas sobre as encostas, lonas pretas mostram que se trata de uma queda anunciada. Outro dia morreram várias pessoas com a terra que desceu e cobriu uma faixa imensa de casebres. Enquanto os familiares choravam seus mortos, uma quadrilha entrou no velório e assaltou todo mundo. É a vida.
 
É muita pobreza por aqui. A população negra não tem emprego e as escolas públicas não oferecem condições de competitividade com os alunos mais abastados (notadamente brancos de estabelecimentos particulares) embora tenha também um montão de brancos na absoluta linha da miséria. A polícia parece que caça os negros e pardos. Mora-se mal, perto de esgotos e buraqueiras.

E quem precisa de atendimento médico tem de amargar longo tempo nas filas. E se for para tomar vacina, nem todo mundo consegue. Depende da faixa etária. Assinado:eu, Jolivaldo Freitas, repórter e cronista, direto desta África que é Salvador.

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3 Comments:

At 9:59 PM, Blogger Dona Preta said...

Poxa que inveja também queria ir!!!! Não para vê essas atrocidades sempre gosto de vê o lado bom da África então me manda boas noticias viu meu correspondente ou então está despedido!!!!

 
At 6:02 PM, Anonymous Dona Preta said...

Meu querido isto aqui está merecendo atualizações....

 
At 3:30 PM, Blogger Dr Abelhão said...

jolivaldo,

Vou divulgar seu livro na Rádia Mamãe hoje de noite.

Gostei muito. A única ressalva é que v. não falou dos jacarés das praias da Rabeira ("jacaré" é aquele cara que fica admirando as pirioguetes de dentro d'água até que, espiritado, termina "castigando a chiquinha"... com o ôião podcadão...

Sim, mande me dizer onde é que seu Folhudinho pode ser comprado -- em que livraria (ou pensão de "moça
alegre"?)

Peguei seus telefones na Tri-bunda, mas não atendem.

Você está ficando rico na África, é?

Mande o nome das livrarias pro meu e-mail: alberguinha@uol.com.br

 

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