Artigo
É de manhã
Ao envelhecer, o homem se torna mais contemplativo. Investe mais tempo em aprofundar aspectos da vida que os ímpetos da juventude imediatista varriam sem remorso.
Desde minha chegada a Salvador, tive vários gatos. Recolhidos com poucos dias na rua, chorando, esfomeados, cheios de pulgas. Crescendo, se aventuravam pelos telhados e os matos da encosta. Todos morreram de forma violenta, envenenados ou rins quebrados a pauladas. Cansei de chamar o veterinário para a injeção do adeus.
O último felino enterrado dois dias antes, viajei por longo tempo. Ao regressar, constatei que os pássaros, sem mais receio, tinham se apoderado dos terraços da casa. A eles resolvi então dedicar uns poucos esforços cotidianos e renunciei a carinhosa companhia dos gatos.
Hoje, a casa é dos pássaros. Não se constrangem em atravessá-la, entrando, despreocupados, pela sala e saindo pela cozinha, quando não pela biblioteca. E isto, mesmo quando a casa está cheia de amigos! Gosto de ver o olhar admirado dos visitantes. Cada um com sua vaidade. Lentamente, vou aprendendo a conhecer suas famílias, já que com estes não me criei. Minha praia era mais com rouxinóis, cegonhas, corvos e melros. Tento compensar as inúmeras falhas com o Dalgas Frisch oferecido pelo irmão paulista Wladimir
De manhã, casais de cambaçicas chegam a pousar na mesa onde estou tomando meu café para continuar suas animadas discussões. Os bem-te-vis, tão atrevidos quanto desconfiados, pegam seu pedaço de pão e voam até a palmeira vizinha. Já disse e repito que gosto especialmente destes mascarados. Mas amor não é cegueira. Suspeito-os de serem abomináveis canibais. Minha desconfiança começou com a descoberta de que eles vinham a roubar as rações, bolinhas altamente carniceiras, de Pucki e Rodin, meus bulldogs franceses, e aumentou ao reparar isto me preocupou bastante que um deles se aproximara de um filhotinho de pardal, perseguindo-o até perder de vista. Aguardo confirmação do ornitólogo de plantão.
As rolinhas, em sentinela desde cedo, esperam com infinita paciência que eu vá jogar o alpiste matinal. Fico observando-as. Muito espertas elas não são, comendo ao acaso, sem o mínimo método, e brigando, asa em riste, com qualquer outra que se aproxime de "suas" sementes. Os beija-flores outros que são de uma agressividade descomunal, merecendo em breve uma crônica só para eles se apoderam dos bebedores de água açucarada. Imaginem que um destes minúsculos pássaros se permite considerar como seus dois bebedores ao mesmo tempo, proibindo os da própria turma a vir saciar a sede!
Quem sempre marca presença, de uns três meses para cá, são os sanhaços-cinzentos, na verdade mais sutilmente azulados, e até um sabiá. Olham para todos os lados, hesitam muito e pegam, como que roubando, um pedaço de pão molhado para pique-nicar em lugar mais seguro. Mais solitário é o inhapim. Totalmente negro, com uma linda mancha amarela nas asas, é também um aficionado de água açucarada. Não é fácil para ele se pendurar e segurar nos bebedores de plástico. Mas, teimoso, volta a cada instante. Mais raras são as lavadeiras. Tão bonitinhas e elegantes com sua roupagem branca listrada de negro! Lembram-me o vestido de Audrey Hepburn, criado por Cecil Beaton, no musical "My fair lady" para a corrida de cavalos de Ascott. Elas preferem fofocar com muito empenho, lá embaixo, no gramado.
O grande inimigo público é o gavião. Mas este nunca se aproxima da casa. Fica rodando perto das nuvens, magnífico no seu vôo tranqüilo e soberbo.
Agora, pelo amor de Deus, não venha me falar dos pombos. Estes, abomino. São verdadeiros ratos voadores. Prefiro, e muito, os eventuais urubus.
Mas vá domesticar um urubu!
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