domingo, abril 27, 2008


Direto de Vancouver

Por: Rafael Prada

Vancouver - O último sábado no Brasil, dia 20 de abril, fez parte de um feriado prolongado. Enquanto muitos por aí viajavam e tentavam aproveitar um raro momento de descanso, por aqui o centro de Vancouver era tomado por uma fumaça. Mesmo com os fortes ventos que atingem a cidade vez ou outra, ela teimava em ocupar os espaços entre os espelhados arranha-céus.

A data na América do Norte é mais conhecida como 4/20. No Brasil, obviamente, é o contrário. E, entre a Comunidade Cannabis, o número tem um significado especial: é uma forma de fazer referência ao consumo da maconha.

"Oficialmente", trata-se do Dia da Maconha e o momento de celebração ao ar livre do hábito de dar umas baforadas por aí. Mais do que isso, a data em si é também o "horário mundial" para se acender um baseado, exatamente às 4:20.
Não que a província de British Columbia e a cidade de Vancouver, mais especificamente, precisem de um dia especial para que os adeptos possam fumar à vontade pelas ruas. A região possui um "código de conduta" que vigora entre a polícia local e os usuários.
Fuma-se sem problema por aqui. Nas ruas, nos parques, em shows, em ginásios, dentro dos carros... e a polícia não se incomoda. Desde que você não seja pego em flagrante vendendo, comprando ou cultivando, não há problema. Por outro lado, abra uma cerveja na rua e você, provavelmente, terá um final de noite antecipado. E na cadeia!
British Columbia é conhecida entre os canadenses como uma das províncias mais liberais do país, onde o cultivo ao estilo de vida livre e associado ao "Carpe Diem" mais se encaixam. Maconha, por aqui, não se trata de tabu.

É, legalmente, desde 2001 uma alternativa medicinal e vendida pelo governo canadense, que a cultiva. Não é preciso explicar que não se configura o tráfico. No entanto, não confundamos com leniência. Há mais de vinte anos, autoridades norte-americanas e canadenses trabalham juntas para coibir o tráfico na fronteira . Mas isso é um outro assunto.
A origem do 420 tem diversas teorias. Entre as mais populares, a de que um grupo de amigos do Colégio San Rafael, na Califórnia, que se reunia quase todos os dias, em 1971, exatamente às 4h20 para celebrar o estilo de vida escolhido. Outros dizem que o número faz referência ao código usado pela polícia dos EUA ao identificar um traficante/usuário/comprador de maconha.

Teorias históricas à parte, a cidade de Vancouver celebrou o 420 no último sábado. Mais de seis mil pessoas se encontraram ao redor da VAG (Vancouver ArtGallery) para fumar à vontade. Observados por poucos policiais, os profundos tragos criaram a densa nuvem de fumaça no centro da cidade canadense, que teve até rua interditada para o "evento".
Obviamente nem todos aprovam a posição da polícia e do governo, que não reprime o usuário final da droga. De acordo com a Conselheira Kim Capri, da Assembléia da cidade de Vancouver, "quando atividades ilegais acontecem em espaços públicos, muitas pessoas se sentem desconfortáveis e inseguras", afirmou na última terça-feira.

Por outro lado, existem Conselheiros que apoiam a decisão de não intervir na "celebração". Heather Deal, oposicionista política à Kim, defende a polícia local ao dizer que "tecnicamente (o que aconteceu) é ilegal, mas eles não estavam machucando ou ferindo ninguém. E se a polícia não estava preocupada, eu confio no julgamento deles".
Para se ter a dimensão exata da brincadeira, barracas no gramado em frente à VAG vendiam produtos relacionaos à droga, como bolo, sementes e outro presentinhos que lembravam a data. O ápice da manifestação aconteceu exatamente às 4:20, quando baseados foram distribuídos e placas pedindo a legalização foram levantadas. Tudo ao som de Bob Marley...
Se turistas e estrangeiros olhavam com apreensão a presença da polícia, os Vancouverites não se preocupavam. Antes mesmo do início da fumaceira coletiva, o assessor do Departamento da Polícia de Vancouver, Tim Fanning, deixou bem claro a conduta adotada.
- O que nós vamos fazer? Prender 6 mil usuários de maconha? Nós temos outros crimes para combater, procuramos por aqueles que estão mais acima no esquema, importam, cultivam ou traficam a droga - afirmou o policial.

Entre os cidadãos, o apoio maciço às autoridades. E não poderia ser diferente. Em conversa breve com Nick, que preferiu não dar seu nome completo, a posição policial faz sentido.
- Se você bebe muito e sai por aí dirigindo, causa tragérias irrecuperáveis. Bate na família, fica arredio, arranja brigas. Se fumar maconha, nada disso acontece. Proibir bebida é compreensível, mas a maconha, não! E somos apenas usuários, nada além disso, não há o que reprimir - conclui.

Aos conservadores, pinta-se um quadro de anistia. Aos que presenciaram o ato, fica, ao menos, uma lição: seis mil baseados causam menos estragos, ou quase nenhum, eu diria, do que seis mil garrafas de cerveja. No Brasil voltaram atrás, mexeram na MP e permitiram a venda de bebidas alcoólicas em rodavias federais, né? Ah tá...

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Rafael Prada é jornalista formado pela Universidade Metodista de SP, já acompanhou a Seleção Brasileira de perto e cobriu tragédias e festas que marcaram São Paulo. Atualmente mora em Vancouver, onde estuda (mais!) e tenta se proteger do frio e da neve.

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