sábado, dezembro 01, 2007


Sábado, 01 de Dezembro de 2007  
Jornalistas nos cemitérios

    Comenta-se no círculo dos jornalistas baianos que a categoria é tão "unida" que só se encontra em velórios. Essa afirmação se tornou corriqueira na imprensa local que, indignado com tal dessemelhança o confrade (nome dos mais antigos) Josalto Alves, após um "encontro fraternal dos coleguinhas" (outra designação dos colegas), no sepultamento de Jorge Lindsay sugeriu uma confraternização, em dezembro, com cerveja gelada, feijoada e bate-papo de alegria. Evidente, longe de um cemitério.
  Foi-se o tempo do jornalismo boêmio e dos encontros quase diários dos colegas no Cacique, no Tabuleiro da Baiana, no Pálace, Tabaris, Porto Moreira, Melancia, Jaime, no Chile Hotel, quando o quadrilátero territorial dos veículos de comunicação se situava entre a Carlos Gomes, Barro-quinha, Chile, Praça Castro Alves, Sé e Comércio. Isso acabou com a chegada das emissoras de televisão, a partir das décadas de 1960/70, instaladas no bairro da Federação e a expansão da cidade para a linha Norte.
  A rigor, os jornalistas baianos do passado e os atuais, nunca tiveram uma casa para promover suas relações institucionais, aproveitando-se desse termo em moda na política "republicana", para realizar o que Josalto se propõe, bater um papo, atualizar as fofocas, brindar um proseco do São Francisco ou uma gelada, mimos naturais existentes em outras profissões. Talvez porque jornalista ainda seja um bicho-do-mato, um bicho-grilo incompreendido e aí a vida vai passando, vai seguindo seu caminho, e os encontros dos coleguinhas ficam resumidos às redações e aos cemitérios.
  Jornalista morre cedo. Regra geral é estressado, fumante, gosta de tomar uma, ganha mal, trabalha três turnos, come sanduíche, adora cafezinho e divórcio, e diante de um quadro dessa natureza não tem coração que agüente. Em 30 dias recentes, faleceram quatro deles em Salvador: Linalva Maria (Lina), em 10 de outubro; Wanderley Carvalho, 2 de novembro; Gerson dos Santos, 10 de novembro; Jorge Lindsay (19 de novembro). Todos numa faixa etária entre 45/60 anos de idade.
  Imaginar que Lindsay morreu de infarto! Quem haveria de! Lindsay era o anti-infarto, um artista da vida e da palavra. Rebuscado no texto e na poética, era uma dessas pessoas que se imagina o mundo pegando fogo e ele comendo os peixinhos fritos, com se diz no popular. Mas, nada! O sacerdócio do jornalismo levou-o ao Bosque da Paz antes do tempo. E nós o aplaudimos em mais um encontro da categoria num cemitério. Assim também foram com Lina, Wanderley e Gerson.
  Gerson dos Santos era uma dessas almas bondosas que aparecem para emoldurar a categoria, de caju-em-caju. Até no falar, no expressar suas opiniões, tudo comedido, medido, analisado com a lente de um revisor, por onde começou na arte de lidar com as palavras. Lina! Não me recordo de outro ensaio de Lina a não ser no jornalismo. Era a primeira a chegar às sessões do antigo Sinjorba da Rua Chile, época de Pelegrino e Anísio Félix. Lina era uma monja na dedicação ao jornalismo.
  O jornalismo é um sacerdócio. Quem não entender isso, de dentro para fora e de fora para dentro, jamais vai saber o significado dessa profissão. Não existe jornalista amigo; nem jornalista inimigo como costumam nos rotular. Muito menos jornalista do governo e da iniciativa privada. Jornalista é jornalista. Seu dever, sua hóstia sagrada é a notícia, a palavra, a interpretação dos fatos, quer alguém goste ou não goste; quer agrade a A ou a B. E, nesse contexto, obviamente, existem diferentes interpretações.
  É, talvez por isso, por essa ansiedade, por essa responsabilidade, que muitos de nós iremos para o Bosque da Paz ou o Jardim da Saudade antes do tempo. Ou se quisermos ser realistas com a doutrina do apostolado no seu tempo. Há um provérbio árabe que compara o destino a um camelo cego, assim como somente aqueles que cultivam a semente serão capazes de entender as palavras. Por isso mesmo, com estresse ou sem estresse; com pilates ou sem pilates; com o uísque amigo ou sem ele; a morte continuará misteriosa e surpreendente para sempre.
  Daí a minha dúvida sobre a proposta de Josalto de semear novos ventos à categoria ou de convivermos como camelos cegos, nos encontrando nas relvas dos bosques do amanhã, surpresos com o envelhecimento de cada qual, admirados e perplexos com o cavanhaque de fulano que está repleto de cabelos brancos ou as pernas de fulana que eram maravilhosas e hoje estão arqueadas. Talvez seja melhor assim.
  Certa ocasião disse a jornalista Olívia Soares, num cemitério, que ainda iria escrever essa crônica anunciada. Aí está para a glória de Deus, até o próximo encontro.

  * Tasso Franco é jornalista

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