sábado, fevereiro 03, 2007


A MULHER QUE GARANTE SER UMA SEREIA

ão deu para ir à Festa de Iemanjá no Rio Vermelho e joguei uma flor aqui mesmo no Porto da Barra, mas depois peguei de volta catando rosas, orquídeas, jasmins, graxeira e outras mais, pedindo desculpas para a deusa afro-brasileira, pois lembrei que estava poluindo o mar. Tinha certeza que ela iria entender e perdoar. Mas não é que levantando os olhos encontrei dona Iara, que nunca soube o sobrenome e é assim, só assim, que ela se apresenta, junto de mim na areia. Eu a conheci anos passados numa ida à Chapada Diamantina. Ela, morena franzina e com cabelos pretos que de tão longo batia na cintura, os mantinham presos num coque “não quero mais que me reconheçam e por isso estou longe de casa”, me disse quando perguntei o porquê de não deixar a cabeleira solta para respirar. Lembrei que minha mãe sempre dizia para minhas irmãs que deixar cabelo preso tira o viço e começa a cair.

Em Lençóis, acho que ela estava num grupo de pessoas que se diziam abduzidas e foram lá em busca ou de Objetos Voadores Não-Identificados ou para tentar encontrar de novo os alienígenas que fizeram a abdução.

Ontem encontrei a mulher vindo do Rio Vermelho. Ela me garante que veio nadando e quando chegou perto da praia virou mulher, sereia que garante ser, e mais importante: a própria Iemanjá. E se diz chamar Iara, pois é quando se transforma em deusa protetora das águas dos rios. Lógico que eu acredito e dou trela. Ela estava chateada porque, me disse, estavam desvirtuando os festejos em sua homenagem.

“Todos os anos espero o dia 2 de fevereiro e a cada ano me decepciono mais”, desabafou. O que ela acha de ruim é que as pessoas vão prestar homenagens e colocam presentes baratos nos cestos. Outros estão apenas interessados em beber até cair nas barracas. Eu disse que era a crise econômica. Respondeu que era sovinice e descaração mesmo. Lembrou dos tempos em que as melhores homenagens à sua pessoa (Iemanjá) acontecia na Loca da Sereia, no Monte Serrat, sempre no mês de dezembro. No Rio Vermelho começou na segunda quadra do século passado, com os pescadores fazendo oferendas. Foi crescendo a participação popular e hoje é a terceira festa mais importante do Calendário de Festas da Bahia, perdendo apenas para o Carnaval e para a Lavagem do Bonfim. O papo continuou. Ela revelou que antigamente os pescadores eram ajudados por mães de santo que colocavam os balaios com água de cheiro, flores, comida, espelhos, colares, pulseiras, sandálias, pentes, roupas, cartas e passadeiras ao lado da Casa do Peso (onde se pesa e vende pescado até hoje).

“Até dinheiro botavam”, arregala os olhos.

No papo com ela fico sabendo que esta é a única festa que não teve origem no catolicismo e sim no candomblé. Revela também que houve uma época em que se viu contrariada com os pescadores, que a pegaram numa rede e a obrigaram a participar de uma missa na Igreja de Santana. Achincalharam, maltrataram e depois que a soltaram na água novamente ela rogou uma praga e nunca mais se pescou baléias ou xaréu do Rio Vermelho a Amaralina. Diz se arrepender, pois sabe das necessidades dos pescadores, mas que é tarde para voltar atrás. Perguntei onde ela mora e me diz que na Pedra da Sereia, numa gruta, e que costuma tomar banho de sol na Pedra da Gaivota, defronte à Praia da Paciência, no mesmo bairro.

Interessante é que quem pesquisar vai ver que tudo que dona Iara fala tem consistência com o ideário popular.

Historiadores dizem que foi assim mesmo como ela conta, que antigamente havia missa pela manhã e entrega de presente à tarde, até que alguém lembrou que na África havia o mesmo tipo de homenagem. Como não tinha terreiro no Rio Vermelho, foram convencer a mãe-de-santo Júlia Bugan, lá na Federação, no Gantois.

Dona Iara não gosta do horário da entrega do presente, sempre às quatro da tarde. Preferia que fosse horário móvel.

- Se nesta hora a maré está enchendo os presentes voltam para a praia. Gosto quando a maré está vazando, pois tudo vai parar nos meus domínios - explicou, acabando com a idéia de que os presentes que voltam foram devolvidos por ela “se bem que tem muita coisa que não presta mesmo e não fico para mim”. Quando os presentes são bons ela garante mar calmo e muito pescado o ano inteiro. Perguntei para a velha senhora que idade tinha e ela disse não mais saber, lembrando apenas que nasceu há muito tempo e chora quando lembra que seu filho Orungan se apaixonou por ela e tentou violentá-la. Ela correu para não acontecer o incesto e caiu de uma falésia. Na queda, dos seus seios saíram os rios, e do seu ventre todos os orixás. Ela disse estar cansada da festa e que deveria voltar para a Chapada Diamantina, de onde só sai no dia 2 de fevereiro.

Perguntei como iria viajar e me disse que de ônibus, pois para nadar até a Chapada teria de ir contra a maré, depois nadar contra o rio Paraguaçu, que deságua na Baía de Todos os Santos e daí ir subindo, pegando vários rios até chegar ao rio São Francisco, Santo Onofre e Paramirim, que é onde ela fica hoje. Perguntei se não queria uns trocados para a passagem e ela aceitou.

Fiquei feliz, pois Iemanjá (dona Iara), aceitara meu presente e com certeza vou ter um bom ano. Aproveitei e pedi para proteger também os pescadores. Fechei os olhos durante um bom tempo para não vê-la se transformar em sereia e não quebrar o encanto.

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1 Comments:

At 8:11 PM, Blogger Dona Preta said...

Olá Jolivaldo vim dá uma espiada no seu blog...E a propósito como nada é por "acaso" deixo um depô nesta menssagem aqui que fala sobre Yemnajá. Lindo o que escrevestes de bom coração Yemanjá aceita tudo até uma petala de rosa. Coração puro é coração bom...Vida longa para você visse...Xero.

OBS: Sou Suzana Tavares, ams conhecida na net por Dona Preta.

 

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