sábado, janeiro 20, 2007


O EX-VOTO DE DONA MARIA DE JOÃO

omente ontem, oito dias depois da festa da Lavagem do Bonfim, João Metódio conseguiu Habeas Corpus para sair da delegacia de polícia, que fica lá pelas bandas da Península Itapagipana, não antes de levar meia dúzia de bolo de palmatória e uns chutes nas partes baixas. Qual foi o seu crime? Resposta: deu umas porradas bem dadas em sua ex-mulher Maria Aparecida, que todos na rua Direta do Uruguai conhecem há mais de 40 anos como dona Maria de João.
Mas, pergunta você, qual o motivo dele ter enchido de sopapos o cangote dela? A partir daqui vou contar a história como me contaram, que nem em Salvador eu estava no dia da lavagem, e se eu estiver exagerando é por ter ouvido de uma pessoa, que ouviu de outra e que já tinha ouvido de outras e mais outras e todo mundo sabe que baiano não inventa, mas aumenta. E a baianada ainda bota uma cor, uma luz, um brilho que é para a história ficar interessante.
Pois, depois de 40 anos de casada dona Maria de João começou a ter atitudes estranhas para sua idade, que lá se vão mais de 60 anos. Um dia chegou em casa com cabelo afro, todo trançado. João levou um susto, mas não disse nada e nada perguntou. Passados dois meses ela chega com calça do tipo cós baixo, que a galera chama de Gang, mostrando as banhas abaixo do umbigo e outro susto, mas João quedou-se quieto. Passada uma duas semanas ela chega com uma tatuagem de estrelas no pé do pescoço e João, funcionário de cartório, sacramentado e juramentado que é, arregalou os olhos e disfarçou. Mas, o bicho pegou mesmo foi quando ela chegou na garupa de uma moto de 500 cilindradas, a bunda empinada num biquíni fio dental que parou a respiração dos moradores da rua da Imperatriz, na Boa Viagem. Ele pegou todas as tralhas dela e jogou no meio da rua. Foi um escândalo tão grande que nem os sete filhos dos dois se meteram na fuzarca para não levarem também seu quinhão de porrada.
Mas, não é que ela aproveitou a carona, pegou o suficiente e se mandou com o motoqueiro! Pois, a história prossegue semanas depois, quando após a Lavagem do Bonfim, na quinta-feira passada, João que de tão fervoroso admirador do Senhor do Bonfim acompanha o novenário; segue o cortejo que sai da Igreja da Conceição e vai ate o adro do Bonfim, andando oito quilômetros sob sol ou trovoada e ainda faz questão de tomar banho de água de flou ou de cheiro e entrar na igreja para fazer suas orações. Lógico que ele também não deixa de fazer umas oferendas para seu pai Oxalá, que é Senhor do Bonfim no Candomblé.
Somente para mostrar o perfil do homem, basta ver que ele sabe toda a história da festa em louvor ao Senhor do Bonfim. Numa conversinha rápida ele revela que as homenagens ao santo, que faz questão de observar é o mesmo Jesus Cristo, teve origem em 1669, na cidade portuguesa de Setúbal e de imediato chegou a Salvador, onde foi trazida uma cruz de Jesus crucificado, imagem igual à dos portugueses. A igreja foi construída em 1745 e começou o culto, com data móvel. As missas, a novena e a queima de fogos caracterizaram a festa ao longo dos séculos. Os negros vindos da África, que não tinham liberdade de culto, acharam a saída de classificar o Senhor do Bonfim, como Oxalá, por ser uma forma de “ludibriar” as autoridades e ao mesmo temo prestar homenagem tanto ao deus afro como à entidade Católica. Alguns historiadores dizem que a festa teve origem com os escravos que levavam água para lavar as escadarias para os brancos senhores irem á missa. O primeiro ano da festa da lavagem, oficialmente, é dado como 1804.
Segundo João aprendeu com os antigos e os historiadores, até a década de 50 os negros tinham acesso ao interior da igreja. A partir dos anos 50 do século passado foram proibidos pelas autoridades eclesiásticas. A alternativa foi as baianas caracterizadas com seus touços, saias rendadas, balangandãs e colares irem até o adro da igreja e lavá-lo, bem como as escadarias, como prova de devoção. A partir de então a festa foi tomando também um perfil profano e virou uma manifestação com a presença de gente de todo o mundo. Tinha trio-elétrico, blocos, afoxé, reisado e barracas que vendiam comida e bebida. O ponto alto era o banho da água que as baianas carregam em potes e ânforas, na cabeça. Quem se banha na água de alevante recebe as graças de Oxalá, diz seo João, que completa a informação:.
- Em 1998 autoridades da prefeitura junto com a Arquidiocese de Salvador proibiram a presença deles, na tentativa de defender o lado religioso, o que foi bom, pois sempre tinha muita morte e gente ferida no final do dia – observa.
Voltando ao tema do cachação que dona Maria de João levou na nuca, o certo é que quando seu João acabou de fazer suas orações no banco da igreja, onde somente ele e mais uns privilegiados da Congregação têm acesso no dia da festa, parece que puxado por uma força estranha, decidiu adentrar a Sala dos Ex-Votos, uma espécie de museu, onde as pessoas que conseguiram alcançar alguma graça deixam seus depoimentos em frases, retratos, pinturas, membros do corpo moldado em cera e até mensagens gravadas em CDs ou disquete (coisas da modernidade). Seo João entrou na sala e foi olhando, olhando, olhando até que viu uma foto sua com dona Maria. Foto dividida em dois pedaços. Depois do pasmo teve a curiosidade de olhar atrás do papel no tamanho 15 por 21 centímetros e viu uma outra foto colada, com sua ex-mulher agarrada, quase colada, ao motoqueiro, sorrindo á larga; e ao lado escrito em letras de forma: “Obrigado, Senhor do Bonfim, por ter me dado forças para largar meu ex-marido, com suas dores na coluna, ronco, meleca escorrendo pelo nariz, cera saindo pelos ouvidos, chulé, erisipela, suores noturnos, mau-hálito, dentadura que não pára na boca, mão de pilão, sovina, cheio de caspa e seborréia, unhas encravadas, tosse crônica, espinhela caída, gota, bafo de cachaça e olho de seca pimenteira; que só usa uma cueca só para todas as ocasiões e ainda é brocha. E agradeço também de todo o coração pelo meu namorado sarado, malhado, descarado, sem-vergonha, gostoso e miseravão. Dai-me forças para agüentar o tranco”. Com todo fervor, Maria Aparecida.
Seo João não estava nem aí por ter expulsado a mulher de casa, mas achou um desaforo ela contar suas coisas íntimas e ainda, sabendo, que ela estava gastando seu dinheiro da pensão com o motoqueiro em atitude de lascívia. Saiu para descobrir onde ela estava e não é que viu de longe que era ela quem estava com o cara tomando caipirosca na Barraca Vitória! Parecia até milagre do santo. Ele foi chegando e sem uma palavra sequer meteu o cacete no cangote da velha, bem onde estava a tatuagem de estrelinhas. O motoqueiro se picou, que não era besta, nem nada. O resto você já sabe: seo João conseguiu um Hábeas Corpus ontem e hoje vai agradecer ao Senhor do Bonfim. O resto ele resolve na Justiça.

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