terça-feira, dezembro 12, 2006


FLORIPES

Conceição da Praia: o glorioso dia de Floripes


uem viu o que foi a festa em louvor a Nossa Senhora da Conceição da Praia – na sexta-feira passada - não pode medir o que era sua imponência até o último quarto do século passado. No século XVI era motivo para mostrar brasileiros e portugueses com suas mais ricas fatiotas; e as moças iam à busca dos futuros maridos. No século XX era o grande start para a lúdica diversão, que levaria um ciclo de três meses, das festas de largo. Quem este ano, achando que iria encontrar uma multidão alegre, muita capoeira, manifestações do folclore regional ou uma gastronomia de dar inveja a Baco, deus pagão, greco-romano, quedou-se ao olhar perdido e o ócio da maioria dos barraqueiros que apostaram na revitalização da festa de largo e empataram o investimento. Não foi ainda desta vez que voltou o brilho.

Antigamente, quando a noite da véspera do dia santo se iniciava, já não dava para ir facilmente até a praça. Chegar até o Elevador Lacerda, a partir do Mercado Modelo, menos de 500 metros de distância, era coisa para meia hora. E quem quisesse que tentasse chegar próximo do manto púrpura da imagem, dentro da matriz. Dificilmente conseguiria. Além da multidão que tomava as barracas com suas mesas de compensado e bancos de madeira pesada, desde as escadarias até o adro uma multidão compacta se postava, fechando os acessos. Vinha gente de todos os cantos e até os turistas de outros países começavam a descobrir a magia das festas de largo. Nesta época o Porto de Salvador recebia muitos navios de países diversos, notadamente os norte-americanos e os franceses.

Num dia da festa da Conceição da Praia, lá pelos idos dos anos 60, Floripes, o mais famoso viado da cidade, se emperiquitou todo. Sua fama vinha do jeito que andava, se vestia, agia e falava. Numa época em que os homens somente usavam roupas de cores sóbrias (branco, cinza, cáqui) ou em ocasiões especiais trajavam preto e azul marinho, com sapatos pretos, marrons ou marrom e branco, ele andava com roupas coloridas, carregava brincos e pulseiras. Tinha um gosto especial por sandálias femininas baixas, e rebolava como uma especialista em dança do ventre. Estava particularmente feliz, neste dia. No Porto tinha chegado um destróier francês e um porta-aviões dos Estados Unidos. A primeira coisa que os marinheiros faziam, ao desembarcar, era procurar as casas de tolerância do Pelourinho, Ladeira da Conceição da Praia, Montanha, Taboão, Pilar, Misericórdia e Gamboa. Floripes se postava nos locais chaves na esperança de conseguir namorar um dos marujos. Mas, foi na Barraca Água de Cheiro que seu sonho se realizou. Numa mesa estavam os grumetes americanos. Numa outra os franceses e, por coincidência, um marinheiro de cada nação se engraçou com ele. Bastou o americano apaixonado levantar que o outro seguiu. Um pegou Floripes pelo braço e o outro abraçou. Puxam, rasgam a roupa da bicha e saem no tapa. A briga ganha outra dimensão e instantes seguintes os marinheiros entram e guerra, acompanhados de rapazes que jogavam capoeira ou bebiam em outras barracas. Foram mais de vinte feridos com garrafadas, atingidos por mesas e bancos e também pela Fanta (cassetete longo de madeira) que policiais militares usaram sem parcimônia para conter a turba. Floripes conseguiu correr e se esconder num casarão junto de uma famosa casa de material de caça e pesca, onde tinha um brega.

No dia seguinte os digníssimos cônsules da França e dos Estados Unidos foram tirar seus marinheiros da velha cadeia do prédio da ladeira da Misericórdia. Clareou o dia e quando Floripes acordou no quarto do brega foi aplaudido de pé pelas velhas putas que fizeram um corredor polonês, costuraram suas roupas e ainda ofereceram um buquê de palma e margaridas. Foi a Glória. Pena que os jornais não noticiaram.

Nossa Senhora da Conceição da Praia deve ter fingido que nada viu daquilo. Coisa que desde 1549, quando o governador Tomé de Souza fez construir a igreja da Conceição da Praia - no local original hoje se encontra a majestosa catedral – nunca tinha acontecido. Os historiadores dizem que nesta época o governador ajudou, amassando o barro, a erigir uma capela de saibro. Ele mesmo se melando no barro. Mas, a igreja que hoje pontua a subida da Ladeira da Montanha começou a ser construída em 1736. As pedras vieram cortadas de Portugal, para serem montadas como um quebra cabeça em Salvador. Tudo veio talhado para gáudio da padroeira de Portugal e neo-padroeira da Bahia. Esta igreja que está em festa foi inaugurada em 1765 e somente concluída em 1849. Na realidade trata-se do terceiro prédio a ser erigido na área.

Saiba que Nossa Senhora da Conceição é uma designação equivalente para a Virgem Maria, que pode ser também Nossa Senhora, Nossa Senhora Aparecida, Virgem de Guadalupe, Santa Maria e outras. No sincretismo afro-brasileiro ela é representada por Oxum, deusa dos rios e cachoeiras, formosa e vaidosa. Companheira de Exu foi seqüestrada por Xangô, que se apaixonou por ela. Exu enviou uma poção mágica e Oxum se transformou numa pomba, voltando para casa. Oxum e Nossa Senhora da Conceição são reverenciadas no mesmo dia.

Uma fashion. Outra recatada. Uma deusa. A outra santa.

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1 Comments:

At 9:09 PM, Blogger Luana said...

Oi Joli, um dia desses (ano passado), estava procurando algo sobre o dia de Nossa Senhora da Conceição da Praia, e tive a nítida impressão de que foi aqui no teu blog que li algo sobre, nas festas antigas, mulheres jogarem leite na cara das pessoas...é daí que vem a música Vaca Profana de Caetano Veloso?

 

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