segunda-feira, novembro 13, 2006


O COTÓ A MOÇA DO BACALHAU E A CEGA

imagens me impressionaram nos últimos dias.
A do pescador que mesmo sem braço conseguia pescar de bomba acendendo o pavio com a boca e dando chute na dita cuja para atingir os cardumes. Fiquei pensando que o cara é um herói, embora a Polícia Federal e o Ibama o tratem como bandido. Também pensei que o cara é corajoso, pois se a bomba explodir na hora do chute a la Roberto Carlos ele perde os pés. Fica sem as mãos e sem os pés. Vai acender o pavio com o quê? Não responda, viu seu desbocado! Explico porque acho o cara um herói.
Para um homem ser pescador profissional artesanal, sem a logística, os equipamentos de última geração e o acesso do seu produto ao mercado, como contam os pescadores japoneses, coreanos, portugueses, espanhóis e os da Europa Oriental e que ainda têm suas traineiras e navios subsidiados pelos respectivos governos, é que não contou com apoio de ninguém para poder estudar e melhorar de vida. Sair da vidinha que levava o seu pai, seu avô e que deixaram como legado para sobrevivência. Com certeza ele não optou ser pescador de bomba - sabendo do perigo que representa acender e arremessar dinamite, já que o acidente de trabalho tem como conseqüência perda de membros e ninguém gosta de correr risco. Foi o destino e foram as autoridades governamentais que não deram outros caminhos. Não deram estudo. Não deram apoio social. Não deram salários dignos. Não deram remédio nos postos. Não deram direito à moradia. Não deram direito à Justiça. O que fazer para alimentar a família? Pescar de bomba, lógico, pois em menos tempo pega-se mais peixe e a renda aumenta para os barrigudinhos que esperam à mesa, que também seguem os passos do pai e sofrem o descaso oficial.
A pergunta nada hipócrita que pode ser feita é se a vida humana é inferior ao ecossistema marinho. Quem é prioritário para a morte? O homem por inanição ou os corais bombardeados? Existe, sim, uma coisa chamada cadeia alimentar. Quem está no topo muitas das vezes não tem muito a escolher. Que me perdoem os siris, as pititingas e os plânctons.

Outra imagem que me chamou a atenção foi a das duas mulheres presas quando roubavam bacalhau num supermercado. Elas chegaram, disfarçaram, pegaram o bacalhau e enfiaram embaixo das pernas, lá onde o bacalhau é mal lavado. Saíram andando numa boa mas os seguranças desconfiaram. Um repórter perguntou o motivo de terem roubado o peixe. Elas disseram que era preciso ter alguma coisa para a Sexta-feira Santa das crianças. Não tinham dinheiro e não queriam frustrar os filhos. O repórter perguntou porque roubar especificamente bacalhau, quando poderiam levar outro tipo de peixe. Disseram que as crianças, de tanto ouvirem falar nas TVs e verem receitas de bacalhau queriam porque queriam comer bacalhau. E lá foram elas, mulheres paupérrimas que até para comprar pão é dia sim, dia não, querendo oferecer o que havia de melhor para a ceia da Sexta da Paixão. Nem Deus ajudou. Foram presas e os meninos ficaram sem bacalhau.
Num país de mensalão estas mulheres merecem ou não a prisão? Responda você.

Já a cega, êta cega danada de sábia. Ela estava pedindo dinheiro na Avenida Sete e um homem saindo da agência do Banco do Brasil deu-lhe duas notas de cinqüenta reais, dizendo que ela saísse da chuva e fosse embora. O homem, sabendo-a cega, disse o valor que estava dando e pediu para guardar bem as notas.
O que ela fez? Devolveu uma nota dizendo que era muito e que mesmo cinqüenta reais ainda era demais. Estava acostumada a ter apenas um pouco a cada dia. O repórter de uma rádio estava por coincidência junto na hora e perguntou à mulher porque não ficou com o dinheiro todo e gastava um pouco a cada dia. Ela na maior singeleza disse que nunca tinha ganho tanto dinheiro na vida e que muito dinheiro pode trazer infelicidade.
Falar o quê meu rei?

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