quarta-feira, novembro 29, 2006


NICODEMOS

ouve um tempo, entre os anos 1950 e 1985 – com auge seu no final dos anos setenta, do século XX – que a chegada dos últimos dias do mês de novembro trazia um certo frisson ao ar da velha cidade do São Salvador da Bahia de Todos os Santos. O populacho, a intelectualidade, os povos do Senhor e os adeptos da religiosidade afro-brasileira entravam num processo de êxtase. Os problemas entravam em recesso e era o início da suprema alegria e da baianidade. Estava aberto, com a chegada do Dia de São Nicodemus, o ciclo de festas populares – ou as chamadas festas de largo – em que multidões, até depois do Carnaval (suprema data) cantavam, tocavam, dançavam, bebiam, comiam e namoravam a se fartar. Tudo em homenagem a São Nicodemus, Santa Bárbara, Santa Luzia, Bom Jesus dos Navegantes, Senhor do Bonfim, Reis Magos e Iemanjá. Depois era esperar o Carnaval chegar, pois era o ápice do lado pagão do povo baiano. A partir de 1990, alguns antropólogos dizem que pelo recrudescimento da violência urbana, as festas de largo foram perdendo força e apelo popular. Viraram palco de consumo exacerbado de drogas, e do desforço físico, entre os jovens. Com a violência as famílias deixaram de participar e o que se viu, a partir deste período, é a decadência das famosas festas em que se cotejava o lado religioso e o profano, numa harmonia somente vista na Bahia.
São Nicodemus tem sua data de veneração como 29 de de novembro. Na Bahia sua devoção está centrada totalmente entre os trabalhadores do Porto de Salvador, que este ano decidiram fazer a festa, a missa e a procissão no dia 27.
Hoje a festa fica apenas por conta deles e não há mais a presença da população. Com o ataque terrorista islâmico às torres gêmeas de Nova Iorque, no dia 11 de setembro de 2001, a Companhia Docas da Bahia passou a cumprir determinações internacionais de não permitir a presença da massa em suas dependências. É preciso identificação e controle de quem vai se regozijar com o santo. A juventude sequer lembra que as festas de largo estão começando. O interessante é que os festejos a São Nicodemus, com isso, passaram a ter o mesmo perfil do início de tudo. Ficou restrito aos trabalhadores do cais.
Como surgiu a veneração a São Nicodemus, no Porto de Salvador é um debate que pode varar uma noite. Alguns dos antigos dizem que por volta de 1940, uma mulher chamada Cotinha, trabalhadora do Cais do Carvão, colocava as pedras num balaio quando encontrou, enegrecida de fuligem, a imagem em terracota de São Nicodemus. Outra versão dá conta que em 1942 ou no ano seguinte, algumas pessoas que brincavam de fazer imagens com barro, na ponta do cais, onde paravam os vapores e os saveiros, batizaram uma delas como Nicodemus. Foram atrás de um santeiro chamado Vicente, que trabalhava na ladeira do Taboão que finalizou a imagem. Ela foi então levada para ser batizada na Igreja de Nossa Senhora do Pilar. Daí levaram para o porto e iniciaram a tradição de rezar pela imagem e fazer procissão todo dia 29 de novembro, com a participação dos estivadores.
Virou tradição e a celebração também é conhecida como Festa do Cachimbo porque o organizador (Cirilo de Nicodemus) tinha o hábito de caminhar pelo cais com um cachimbo oferecido por uma empresa inglesa, para a qual ele trabalhava. Cirilo determinou que cada participante da festa recebesse um cachimbo de lembrança, o que tornou o objeto símbolo da comemoração. São Nicodemus também passou a ser conhecido como o “santo do cachimbo”. Os festejos começaram em 1943, mas só na década de 80 a missa passou a ser celebrada na capela construída para o protetor no Cais do Carvão. Antes, as orações ocorriam na Igreja de Nossa Senhora do Pilar e a imagem de Nicodemus ficava protegida na sede da estiva, atrás do Mercado do Ouro.
Uma outra versão mostra que nem tudo foi fácil para São Nicodemus. O processo que resultou na sua escolha como padroeiro dos doqueiros envolve premonições, sonhos, mensagens do além e outros mecanismos de comunicação. 1941 no Cáis do Carvão e, para passar o tempo, fazia-se modelagens com o barro da ponta do píer. O mais idoso dos companheiros, Cirilo Manoel dos Reis, deu o nome de Nicodemus para uma das imagens que na verdade era um monte de barro amassado. Parece que o santo não gostou e apareceu em sonhos pedindo mais respeito. Temeroso ele procurou o santeiro que fez uma imagem conforme sonhara (um velho branco, calvo, barba longa e com um bastão). Em sinal de respeito à imagem foi levada para a igreja de Santa Luzia e benzida e desde então recebe, todos os anos, as mais respeitosas homenagens dos baianos. São Nicodemus foi um membro do Sanhedrin em Israel durante a vida de Jesus. O Sanhedrin seria o Supremo Conselho e a mais alta Corte de Justiça dos Judeus em Jerusalém, que procurava condenar Jesus. Todo membro do Sanhedrin que tivesse simpatia por Jesus era considerado pelos seus colegas um traidor. Mesmo sendo membro, Nicodemus tinha grande admiração por Jesus.
Ele era um discípulo secreto de Cristo e certa vez marcou encontro escondido, à noite, para evitar ser punido pelos outros membros do Sanhedrin. Depois disse para a Corte que Jesus deveria ser ouvido. Em uma ocasião Nicodemus confessou que acreditava em Jesus dizendo: “Nós sabemos que Você é um professor e ninguém tem esses sinais a não ser que Deus esteja com ele”. Jesus ensinou a ele acerca do renascer através do Espírito Santo e do Batismo. Teve o privilegio de preparar o corpo de Jesus com babosa e mirra e o colocou no Santo Sepulcro. A tradição diz que ele foi um mártir, mas os detalhes de seu martírio não sobreviveram ao tempo. Nicodemos quer dizer “vitória do povo”.

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1 Comments:

At 12:55 PM, Blogger tássia said...

Jolivaldo,

E não é que navegando de blog em blog encontrei o seu... E após ler uns três post com satisfação encontrei meu nome lá entre os Sítios... hummm

Bom... talvez seja síndrome de fotógrafo, mas não gosto de perder festa de largo. Gosto de colocar as cenas na moldura. E olha que a cada ano rende é coisa...

Realmente, parece que a juventude, como vc disse, não costuma acompanhar as festas de largo. Mas é que ontem encontrei uns cinco amigos, dos 20 aos 28, de rolé na festa de Santa Bárbara. Jovens, porém jornalistas. E não estavam a trabalho. Se bem que juventude é coisa relativa... Ou como diria o pintor: leva-se tempo até ser jovem.

Um abraço e até mais!
Tássia :)

 

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